Nos
idos do século XIX, com o advento da Revolução Industrial, a edição tanto de
livros quanto de periódicos tornaram-se mais baratas devido à diminuição do
preço do papel e da tinta, o que levou a um aumento de publicações. Foi nessa
época que surgiram os grandes jornais que circulam até os dias de hoje como,
por exemplo, The Times (fundado na
Inglaterra, em 1785). Somando-se a tudo isso estava o fato de ter aumentado o
número de pessoas escolarizadas e que sabiam ler, pois a Classe Trabalhadora
começava a ter acesso às escolas. Surgiram publicações voltadas para esse novo
público, com assuntos de seu interesse, que primavam por uma linguagem mais
informal e, até mesmo, uma gramática descuidada.
Na
imprensa surgiu o tabloide, um jornal de tamanho menor que o usual, com poucas
páginas, que permite uma leitura mais rápida e dinâmica das notícias e com um
preço mais em conta. Esse novo tipo de mídia surgiu em Londres e tornou-se
muito popular entre os leitores, em especial os trabalhadores. Os tabloides
ingleses se destacavam – e ainda se destacam - por dar ênfase a notícias de forte
apelo ao gosto popular sobre esportes, sexo, escândalos (políticos e/ou
amorosos), fofocas sobre artistas, violência e, é claro, da vida particular da
família real inglesa. Todos com as manchetes da primeira página impressas em
letras bem grandes e, quase sempre, com a foto de uma bela mulher seminua. Como
resultado, esses jornais tinham – e têm - altas vendas. Esse tipo de jornalismo
ficou conhecido como “Red Top” (em inglês, uma expressão equivalente a
sensacionalismo).
Como
não podia deixar de ser, esse novo tipo de jornalismo (embora haja pessoas que
hesitem em chamá-lo assim) espalhou-se para outros países, inclusive o Brasil.
Os jornais surgidos em terras brasileiras seguiam os moldes dos tabloides
ingleses. Seus representantes mais famosos eram o Notícias Populares, de São Paulo; e O Dia, do Rio de Janeiro. O
Dia, de fato, era um
representante desse tipo de jornal, pois houve uma mudança de linha editorial. Porém,
gerou um “filhote”: em 2004, nasceu o jornal Meia-Hora, que é o tema do filme que vamos analisar.
Meia Hora e as
Manchetes Que Viram Manchete é um documentário – um
gênero de filme que, felizmente, cada vez mais cai no gosto do público
brasileiro – dirigido e produzido pelo jovem diretor Angelo Defanti, que se
notabilizou por documentários e filmes de curta-metragem como, por exemplo, A Melhor Idade (2011), que deu o prêmio
de melhor ator em curta-metragem de 35 mm a José Wilker (de, Bye, Bye, Brasil) no Festival de
Gramado. Meia Hora é o seu primeiro
trabalho na direção de um longa-metragem e, pode-se dizer, teve um bom começo
com uma direção correta e precisa, embora sem nenhuma novidade, mas isso não
compromete o seu trabalho no geral.
Meia Hora e as
Manchetes Que Viram Manchete conta a história do Meia Hora desde
os seus primórdios, sendo apresentado como um sucessor do jornal O Dia, que, como já foi dito, mudou sua
linha editorial (antes disso, seguia a linha sensacionalista) e passou a ser um
jornal dito “sério”. Essa história é narrada pelos funcionários e ex- funcionários
do periódico tais como Alexandre Freeland, David Brazil, Flávio “Tiozão”
Trindade, Henrique Freitas, Humberto Tziolas, Washington “Apolinho” Rodrigues e
Gigi de Carvalho, a ex-proprietária do Grupo O Dia.
As
histórias contadas concentram-se principalmente nas manchetes do jornal –
escandalosas, polêmicas e de duplo sentido - tais como “Yes, We Créu”, “Fátima
abandona Bonner para fazer programa”, “Nasceu negro, ficou branco e vai virar
cinza – Descanse em paz, Michael [Jackson]” nas quais há largo uso das já
citadas linguagem informal e gramática descuidada e em expressões coloquiais como
“bonde sinistrão” (facção criminosa), “tranca” (cadeia), etc. Além disso, há
também destaque para o futebol, notícias policiais, a seção diária “Gata da
Hora”, na qual jovens aspirantes a artistas e modelos tentam a sorte posando
para fotos em trajes mínimos e fazendo poses sensuais. O público feminino
(assim como o LGTB) também não foi esquecido com a seção semanal “Bofe da
Semana”. Tudo isso são coisas que, segundo os narradores, o público gosta, e que
se traduz em altas vendagens, que também é destacada no filme, assim como seu
baixo preço (atualmente custa R$ 1,00).
Por
vezes, tem-se a impressão de estarmos vendo mais um filme de propaganda do que
propriamente um documentário, visto que a maior parte dos depoimentos são de pessoas
que são, ou foram, do jornal e, naturalmente, “puxam a sardinha” para o seu
lado. Uma das poucas depoentes do filme
que não trabalhou, ou trabalha, para o Meia
Hora é a funkeira Valesca Popozuda, frequentadora assídua das manchetes do
periódico e que admite, sem nenhum constrangimento, que adora aparecer na capa
do jornal, pois isso ajuda em sua carreira. E, é claro, em agradecimento aos
amigos do jornal, também faz uma propagandazinha. E vai a pergunta que não quer
calar: por que ela foi a única artista a aparecer no filme?
Esse
aspecto de propaganda é amenizado com os depoimentos de Muniz Sodré, professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Sylvia Debossan Moretzsohn,
professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Sylvia destaca o aspecto
do sensacionalismo no estilo “sangue-sexo-futebol” (semelhante ao “pão e circo”
da antiga Roma) que gera manchetes ditas preconceituosas, machistas e
homofóbicas. Já Muniz destaca o jornal como diversão e entretenimento visto que
é, segundo suas palavras, um “meio-jornal” (devido ao formato tabloide) com as
notícias de sangue que faz o gosto dos leitores. Dos dois, creio ser Muniz quem
melhor compreendeu o Meia Hora.
Para
mim, a parte mais interessante do filme é a da notícia, destacada por todos os
jornais, do terrível acidente aéreo com voo 3054 da companhia TAM, em São
Paulo, ocorrido em 2007, no qual faleceram 199 pessoas. São mostradas, em uma
comparação, as manchetes do Meia Hora
com as dos grandes jornais brasileiros, como a Folha de São Paulo e O Globo, sobre
o ocorrido. E ao ver essas manchetes, é possível perceber que, em uma tragédia
como essa, os jornais considerados “sérios” acabam por se equivaler aos ditos
“sensacionalistas”.
Dizem
que ninguém cai na mesma história duas vezes, a não ser que tenha perdido a
primeira. Por isso, sim, é possível explicar o fenômeno, visto que não é novo
e, portanto, não chega a ser uma “revolução”, como chegam a afirmar no filme. Em
São Paulo, por exemplo, o Meia Hora,
quando foi lançada a sua edição paulistana, em 2010, não fez sucesso e encerrou
suas atividades, em 2011 (esse fato é dito em poucas palavras no filme). Em
grande parte, isso deve ao jornal Notícias
Populares, que deixou uma forte marca
na população local, a ponto de o jornal carioca não causar nenhuma surpresa na
terra da garoa.
Devido
à ênfase dada às manchetes e ao seu aspecto polêmico, Meia Hora e as
Manchetes Que Viram Manchete, não raro, acaba
por ficar repetitivo e um pouco cansativo. Talvez se, ao invés de cerca de 80
minutos de filme, fizessem cerca de 50 minutos, teria sido um tamanho mais
adequado. Entretanto, vale o registro feito pelo documentário e, também, vale a
ida à sala de exibição para checar esse mesmo registro.
RESUMO DO FILME
O
filme conta a história do jornal Meia
Hora e as manchetes que causaram impacto no público leitor.
COTAÇÃO
Bom.
Veja aqui o trailer oficial de Meia Hora e as
Manchetes Que Viram Manchete (HD):
Publicado no Observatório do Cinema em 05/08/2015, e no LinkedIn e no Centro de Mídia Independente (CMI) em 21/08/2015.
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